O conteúdo de uma palestra da IV Bienal de Design Brasileira, realizada em 2012 em Belo Horizonte, serviu de mote para o trabalho que a arquiteta e designer Isabela Vecci apresenta até o dia 10 de dezembro, realização conjunta da Casa Fiat de Cultura e do Consulado da Itália em Belo Horizonte, para o projeto Janelas CASACOR Minas 2020. Na mencionada palestra, Cristina Morozzi, diretora do Instituto Marangoni de Milão, discorreu sobre os pilares que integram a indústria italiana, curiosamente iniciados pela vogal A: Arredamento (Mobília), Abbigliamento (Vestuário), Alimentare (Agroalimentar) e, de forma horizontal, a Automazione (Automação). Foi a partir dessa ideia que Isabela Vecci começou o desenho da exposição, batizada de Morar Contemporâneo: 4 As do Made in Italy.
A fama da expressão de Made in Italy, que com o tempo se tornou uma verdadeira marca, vem da qualidade que caracteriza o artesanato italiano e a excelência industrial: do calçado ao pret à porter, da bicicleta ao automóvel, sem esquecer as excelências da comida e do vinho, os produtos italianos que ostentam este título são particularmente procurados nos mercados mundiais pela qualidade e confiabilidade, pela criatividade e originalidade do design, por sua durabilidade e segurança, e por seu sabor inconfundível.
Em quatro vitrines, a arquiteta faz uma síntese do que há de mais valoroso em cada um desses As, reforçando a intrínseca relação entre indústria e cultura italianas, amalgamadas na história do país. O Design italiano é transversal aos quatro pilares: os alimenta e faz o sucesso deles no mundo. Além da representação expositiva, palestras e outros conteúdos digitais somam para fazer uma reflexão sobre o tema. Para Isabela, um dos pontos altos da exposição é a característica marcante de uma indústria edificada a partir da diversidade. “É possível perceber que, na Itália, há pessoas do mundo inteiro desenhando, fazendo pesquisas, propondo processos, fazendo com que essa indústria se alimente de características de várias culturas. Está no DNA do fazer italiano”, comenta.
A arquiteta aponta ainda que, embora desgastada como palavra, a inovação, lá, costuma ser atrelada aos processos culturais. “A gente não encontra essa falta de medo de criar um diálogo entre tecnologia e cultura em outros países industrializados, seja na Europa ou na América. A Itália tem essa característica forte de experimentação. A gente observa um produto italiano e logo imaginamos: como eles pensaram nisso dessa maneira e não da forma tradicional?”, reflete.
Para exemplificar essa característica, bastante peculiar da Itália, Isabela Vecci buscou elementos que a embasassem. Na vitrine que contempla o Arredamento e que expõe ícones do mobiliário italiano, Isabela sintetiza em poucos metros o que se propõe. Ela explica que são móveis que costumam “morar” em salas de estar, com a daybed Magi, com design de Antonio Citterio, da Flexform, ou o a poltrona assinada por Patrick Norguet para Cassina e ainda a mesa Brasília, dos Irmãos Campana da Edra, de 2006, a mesa Flora, arquivo L’Abbate, anos 1950 e as luminárias Ara, de Philippe Starck e a luminária Stylos, de Achille Castiglioni.
No A, de Alimentare, esse questionamento continua, com um certo humor: quem arriscaria a tanto? A pergunta se aplica muito bem ao espremedor de frutas Juicy Salif, de Philippe Starck para Alessi, ou ao saca-rolha Anna G. de Alessandro Mendini, também fabricado pela Alessi e ainda aos pratos Tema e variazioni, do Atelier Fornasetti. Há ainda uma outra questão relevante, que diz respeito à experimentação, que estão na mesa Link, com design de Jakob Wagner e na cadeira Iuta, de Antonio Citterio, ambos da B&B Italia. Criar uma sintonia entre materiais industriais e atrelar isso ao sofisticado e, ainda, a detalhes manuais não é algo exótico para eles, faz parte do pensamento de produção e de cultura italiana, onde experimentação e inovação andam juntas.
Na vitrine que formata o A de Abbigliamento, Isabela Vecci alinhava a força da indústria da moda italiana em uma conformação de quarto expositivo. Para isso, ela joga com a personalidade da poltrona Crioline, da designer espanhola radicada em Milão Patrícia Urquiola e atual diretora criativa da Cassina, que, apesar de extremamente artesanal, feita em fibra natural, tem atrelada em sua fabricação, todo o aspecto industrial. O banco Mezzadro, de Achille e Pier Giacomo Castiglioni, de 1957, retoma a característica italiana da experimentação sem medo de ser feliz, ao apresentar um banco de trator como peça de mobiliário. Como resumo dessa descontração, a escolha da marca Pucci para representar a moda made in italy não poderia ser mais propícia, com suas estampas extravagantes e coloridas que sintetizam o estilo de vida italiano. Além disso, compõe também o espaço a cadeira Janette, dos Irmãos Campana, para a Edra, em que a experimentação formal e de materialidade é grande. A peça da exposição é totalmente vermelha e brinca com a função do encosto tradicional de uma cadeira, revisitado de forma surpreendente.
Por fim, a quarta vitrine, Automazione, que é o A horizontal a todas as outras vitrines, traz o Fiat 500, o Cinquecento, que anda de mãos dadas com a história da Itália pós Guerra Mundial, a Itália do boom econômico. Um carro icônico, símbolo de beleza e sofisticação, que permanece no coração dos italianos e de todos os apaixonados por automóveis. Além dele, nessa vitrine Isabela Vecci apresenta ainda um pout pourri dos outros três “As”, fazendo uma síntese de todo o trabalho dessa exposição. A vitrine também é composta por uma poltrona e uma mesa do designer italiano Giorgio Bonaguro, fabricadas no Brasil pela América Móveis; e, uma luminária da fábrica italiana Slamp, com design de Francesco Paretti além de ambientação com sapatos de Diego Dolcini.
“Além de apresentar o melhor da arte ao público, a Casa Fiat de Cultura tem a tradição de cultivar parcerias capazes de promover experiências únicas. Por meio da exposição ‘Morar Contemporâneo’, criamos nova ponte entre a cultura italiana e o Brasil, em esforço conjunto com o Consulado da Itália em Belo Horizonte e a CASACOR Minas Gerais”, comenta Fernão Silveira, presidente da Casa Fiat de Cultura, ao destacar que o público poderá contemplar o requinte e a elegância do design italiano, representados em espaços expositivos belos e inovadores: “Uma vez mais, temos o prazer de alimentar debates estéticos importantes, ao revelar como o design busca oferecer soluções criativas, mudar hábitos e estimular novos horizontes, estilos e direções. Ele é fonte inspiradora para pensar o futuro e traduz a capacidade de se reinventar, inovar, resgatar valores, tradições, e promover reflexões em consonância com o momento que vivemos”.
Dario Savarese, Cônsul da Itália em Belo Horizonte explica que não se trata somente de peças icônicas fruto de gênios criativos, mas é o resultado do sodalício perfeito entre os criativos e o mundo empresarial italiano que abraçou estas ideias, as industrializou e levou pelo mundo. Ele reforça: “Nosso objetivo não é somente celebrar o design italiano, mas também criar pontes com a cultura brasileira. É justamente por isso que na exposição ainda temos duas belíssimas peças dos irmãos Campana, a mesa Brasília e a cadeira Jenette, produzidas pela empresa italiana Edra, que se encantou com as peças desenhadas pelos brasileiros e passou a fabricá-las a partir de então. Temos também algumas peças da brasileira América Moveis assinadas pelo designer italiano Giorgio Bonaguro”.
Automazione é eixo transversal da mostra
A vitrine Automazione reúne elementos dos outros 3 as da mostra “Morar Contemporâneo”. O conceito – que perpassa os demais eixos – vai além das soluções tecnológicas e diz respeito a ferramentas e processos que otimizem a produção e tornem o dia a dia dessas indústrias mais simples e mais controlado. A indústria italiana é a sexta do mundo por estoque de robôs instalados, com números em crescimento: +48% no agronegócio, +27% na moda, +21% no setor moveleiro e +23% no metalomecânico.
A sala será ambientada com fotos da antiga fábrica Lingotto da Fiat em Turim. O prédio, inaugurado em 1920, era destaque tanto pelo projeto arquitetônico, quanto pela revolução do modo de se fazer carros. Com cinco andares e 500 metros de comprimento, a fábrica era construída com concreto armado, com repetição de pilares, vigas e pisos. O projeto foi realizado pelo engenheiro Giacomo Mattè-Trucco e idealizou uma linha de montagem ascendente. Ao chegar ao telhado, os automóveis iam para uma pista de teste de 1 km – proposta bastante inovadora para a época.
O emblemático Fiat 500 é a peça de destaque do espaço. Um dos ícones do design automotivo italiano, desde a década de 1950. Ao longo de sua história, o modelo ultrapassou o papel original de manifestação material para conquistar um lugar no imaginário coletivo, tornando-se um ícone internacional. O Fiat 500 não é só um automóvel, mas um fenômeno artístico e cultural, com forte valor simbólico.
A sala Automazione conta, ainda, com a poltrona Liv e mesa Dessau de Giorgio Bonaguro, fabricada no Brasil pela América móveis, uma luminária de Francesco Paretti e uma echarpe de Emilio Pucci. Uma síntese de estilo de vida, sofisticação e bom viver.
Programação digital
Além do circuito de visitação e transmissão no site do projeto (www.janelascasacor.com), a exposição “Morar contemporâneo: os 4 As do Made in Italy” ainda conta com uma programação de conteúdo que poderá ser acompanhada digitalmente, alguns realizados em parceria com o IED, o Instituto Europeu de Design com sede em São Paulo.
Sobre o Janelas CASACOR Minas Gerais
O Projeto Janelas CASACOR propõe, acima de tudo, uma abertura física e digital para expor as reflexões do nosso tempo e também para acessar o futuro, dividindo angústias universais relacionadas ao período conturbado e atípico que estamos vivendo, assim como para debater ideias de um novo por vir. Para isso, a mostra convidou profissionais das áreas de Arquitetura, Design, Paisagismo, além de artistas, chefs e outros agentes da cena cultural de Belo Horizonte para juntos articularem ambientes, instalações, experiências digitais e vídeos, compondo uma janela com vista para o interior das casas – cada vez mais importantes e fundamentais para o bem viver no novo mundo. Será um mergulho e aprofundamento em soluções criativas para nossas necessidades em relação à casa pós COVID-19, inovando, reinventando e nos adaptando ao novo mundo que já estamos vivendo.
Em Belo Horizonte, as iniciativas poderão ser conferidas entre os dias 30 de outubro e 30 de novembro e ocuparão espaços expositivos importantes como Casa Fiat de Cultura, Sebrae-MG, Mineiraria, além de lojas nos centros comerciais da rede Multiplan (DiamondMall, Pátio Savassi e BH Shopping), ressignificando o espaço físico das vitrines de lojas, transformando-as em janelas abertas para uma nova visão de mundo sobre o morar no pós-pandemia. As ações serão realizadas seguindo todos os protocolos de segurança estipulados pelos órgãos competentes. Participam desta edição, 27 profissionais das áreas de arquitetura, design de interiores e paisagismo, que juntos assinam a criação de 21 ambientes.
Todo o projeto foi concebido, produzido e pensado da forma mais segura e responsável possível, tanto para o público frequentador quanto para os profissionais que participam de sua realização. Neste sentido, o uso de recursos digitais alinhados a uma experiência empírica e presencial reformulada possibilita modos inovadores de participar e frequentar as atividades propostas, encurtando distâncias e promovendo ações intensas e impactantes.
Todas as atividades, incluindo as visitas virtuais aos ambientes, também poderão ser conferidas no site www.janelascasacor.com
Casa Fiat de Cultura
Há 14 anos, a Casa Fiat de Cultura cumpre importante papel na transformação do cenário cultural mineiro, ao apresentar, em Belo Horizonte, algumas das mais relevantes e prestigiadas exposições já realizadas no Brasil. Foram mais de 60 exposições de consagrados artistas brasileiros e internacionais, além de mostras de artistas que despontam na cena contemporânea. Sua contribuição à renovação da produção artística e à formação de público se estende por meio de uma programação diversificada de música, palestras e de um Programa Educativo que propõe conceitos e reflexões no diálogo com o público em visitas mediadas e nas práticas promovidas no Ateliê Aberto, um espaço de experimentação artística livre. A Casa Fiat de Cultura integra um dos mais expressivos corredores culturais do país, o Circuito Liberdade, em Belo Horizonte. Em sua sede no histórico edifício do Palácio dos Despachos apresenta, em caráter permanente, o simbólico painel de Portinari, Civilização Mineira, de 1959.