“É muito óbvio que mulheres trans, biologicamente homens, precisam de uma categoria só para elas. É um absurdo competirem na mesma categoria que mulheres porque possuem densidade óssea e força muito diferentes, e dizer isso não é transfobia”. Esses são alguns dos comentários feitos, em março deste ano, na publicação de Raquel Gallinati. A Presidente do Sindicato dos Delegados do Estado de São Paulo afirmou, em sua rede social, que atletas trans promovem a exclusão de mulheres cis do esporte. “Tiram o espaço que nos levou décadas de muita luta”, disse.
Infelizmente, não é raro ver episódios de transfobia no mercado esportivo. A maioria das ofensas falam sobre uma possível vantagem física que mulheres trans teriam, em relação a outras competidoras. Em outubro de 2021, ao completar um ano da conquista dos direitos de retificação de nome e gênero, a atleta de beach tennis, Julia Almeida, foi expulsa dos campeonatos ministrados pela Federação Mineira de Tênis (FMT). Julia já havia participado de outras competições realizadas pela entidade, com sua dupla, Junia Cunha, mas a atleta acabou sendo notificada de sua expulsão no torneio “FMT 1000”.
A federação exigiu o acompanhamento pelo período de um ano, seguindo orientações arbitrárias. “Precisamos de uma análise que certifica uma concentração inferior a 5 mmol/L por um período de 12 meses […] Considerando se 12 meses é ou não um tempo suficiente para minimizar qualquer vantagem na competição feminina”. A atleta realiza o tratamento hormonal através do Sistema Único de Saúde (SUS).
Devido à fila de espera para o agendamento de exames, na rede pública, Júlia não teria meios de comprovar os 12 meses exigidos, se não fosse com a ajuda voluntária da sua parceira, Junia Cunha. A advogada ambientalista é co-fundadora da plataforma que custeou despesas e ingressou com uma ação, contra a FMT, para preservar os direitos da atleta na modalidade: a Arena 034.
Hoje o processo, parado há mais de 6 meses, representa a invisibilidade que as mulheres trans sofrem do poder público. No início deste mês, o Conselho Nacional de Justiça divulgou um levantamento feito, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em que a comunidade LGBTQIA + tem dificuldade de acessar a justiça. O estudo analisou processos em tribunais de todo o país.
Os dados apontaram que, na maior parte dos casos, a fase de investigação chegou a identificar os crimes como LGBTfobia, mas que, em menos da metade, os juízes entenderam que houve o delito ao sentenciar os processos. Vale lembrar que em 2019 o Superior Tribunal Federal (STF), decidiu que declarações homofóbicas podem ser enquadradas no crime de racismo, com penas de 1 a 3 anos, podendo chegar a 5, em casos mais graves.
Segundo Luiz Fux, Presidente do STJ e do CNJ, só com informações claras é possível fazer justiça. “A escassez de indicadores públicos oficiais de violência contra pessoas LGBTQIA + é um problema que pode levar a um aumento na invisibilidade da violência, da indiferença, e do desprezo contra essa população. Por sua vez, como bem apontado pelo professor, Elie Wiesel, são a causa de todas as tragédias do mundo”, disse.