Lendas, casos e memórias: como a elaboração de um prato pode manter vivas as tradições de um povo
Uma receita não é feita apenas de ingredientes e de misturas. Ela sempre conta uma história de afetos, memórias e sensações. Muitas vezes, elas contam sobre os costumes de um lugar, são passadas de gerações a gerações, fortalecem os elos entre os membros de uma mesma família e mantem viva a sua cultura, tradição, sentimentos e valores.
Foto: Samuel Gê
A saudade é uma das marcas da receita que leva o nome do patriarca da família de Eugênio Anastasia “Penne a Humberto”. Ele conta que a receita elaborada pelos pais ficou em terceiro lugar em um concurso nacional e a influência das memórias gastronômicas da família fizeram o filho criar a empresa de massas e molhos artesanais Casa Cilentana, onde utiliza boa parte dos conhecimentos herdados pelo pai e pelo avô italianos.
“Lembro que surgiu um concurso em um jornal e toda a família se reuniu para elaborar uma receita que era basicamente massa, calabresa, gorgonzola, passata de tomate e creme de leite. Mas essa história vai muito além do concurso, lembro dos meus pais toda vez que sinto o cheiro da mistura e hoje é o prato preferido do meu filho mais novo, estabelecendo um elo que possivelmente vai perdurar por muitas gerações”, conta Eugênio.
Já o chef e consultor gastronômico da Osteria Cacio e Pepe, Walter Seixas, buscou inspiração para criar uma releitura do clássico Nhoque na história por trás desse prato. “Ele tem suas origens associadas ao período de recessão italiana. As famílias mais pobres se viravam com o que tinham e acabaram criando clássicos da gastronomia no país. Essa criatividade em tempos de crise é louvável. O prato acabou caindo nas graças de todas as classes sociais e deve ser devidamente lembrado por suas origens e até simbologia.”.
Conta a lenda que São Pantaleão, perambulando em um vilarejo da Itália, bateu faminto em uma casa simples e que a família o recebeu apesar da pouca comida. A pequena quantidade do alimento foi dividida entre os presentes e para cada um foram servidas 7 massinhas. O Santo comeu e, quando foi embora, a família descobriu que embaixo de cada prato havia um boa quantidade de dinheiro. O dia 29 ficou conhecido como o dia de repetir a simpatia de comer as sete porções do nhoque em busca de prosperidade e abundância.
Quem também se apega às tradições é o chef português Christovão Laruça. Todas as receitas servidas em seu restaurante, o Caravela, simbolizam uma de suas memórias afetivas e a saudade de sua terra natal. “Imagine um imigrante longe de seu país. A cozinha é o elo afetivo que diminui um pouco a distância da minha família, amigos e memórias, replicando os pratos que aprendi por lá. Minha transição da arquitetura para a cozinha aconteceu justamente por isso, já que reproduzindo esses pratos eu me sinto mais perto dos que ficaram em Portugal”.
Mas se engana quem pensa que a tradição se restringe à comida. O Caravela apresenta como uma das especialidades da casa, as Cataplanas, peculiares panelas portuguesas feitas de cobre, em que são preparadas receitas típicas como o camarão e o bacalhau. Fazendo as vezes das panelas de pressão modernas, o utensílio proporciona uma confecção saudável a partir do seu sistema de cozimento hermético a vapor, evitando também a perda dos aromas dos alimentos, garantindo um pleno e excelente sabor.