Desde 2015, Fred Catarino vem pensando alguns trabalhos com o objetivo de preservar e difundir a memória cultural da cena underground da cidade. “Sobretudo a metal e punk, das quais faço parte como músico e produtor”, especifica. O primeiro registro foi o livro “Mim nas Gerais – Underground BH 2000 – 2005”, que buscou colocar em repasse acontecimentos da cena alternativa da capital mineira na primeira década dos anos 2000. Já na música, ele digitalizou e, na sequência, disponibilizou, fitas K7 raras de sua coleção, que, assim, puderam ser acessadas em uma plataforma de streaming. “Uma característica importante destes trabalhos sempre foi a utilização do meu acervo pessoal de documentos e registros”, conta ele.
E foi nesta toada que, mais recentemente, Fred sentiu vontade de produzir um registro audiovisual. “Então, nesta pandemia, revisitei meu acervo. Percebi que as matérias que produzi para o ‘Agenda’, da Rede Minas, sobre a cena alternativa da cidade, bem como outros registros que acumulei como músico eram significativos. Assim, defini o recorte: documentar o underground de Belo Horizonte através de registros dessa cena na TV”.
Surgia, assim, “Rede Mim nas Gerais”, que, no momento, pode ser conferido em streaming na Frame Latino, plataforma com a qual ele tomou contato ao assistir ao filme “Entes Paralelos”. “Percebi que a proposta do canal (difundir o cinema independente) tinha a ver com o meu trabalho. Iniciei uma comunicação com o idealizador da iniciativa, Isaac Huna. Ele gostou do trabalho e, quase de imediato, selecionou o curta para integrar a plataforma”. Desde então, Fred diz que o filme tem circulado bem, sobretudo no cenário alternativo de BH. “O que considero mais positivo é o retorno que venho recebendo de personagens da cena que, além de comentarem sobre o quão significativa é a iniciativa, se sentem representados pelo filme. Isso me faz sentir bastante realizado”.
E que personagens são esses? Bem, gente como o poeta Cesar Gilcevi, compositor e vocalista da banda Cadelas Magnéticas e também produtor cultural no MIS Cine Santa Tereza. “Conheci o Gilcevi em 2005, quando ele produzia a agenda cultural do Centro de Cultura de BH, na rua da Bahia. À época, eu integrava a banda A Casa, junto a Francesco Napoli, e tivemos a oportunidade lançar nosso CD por lá graças ao Cesar. No filme, ele está presente na matéria sobre a mostra Universo Stephen King, que produziu no MIS”.
Outro nome é o próprio Napoli, poeta, guitarrista, compositor, agitador cultural, produtor, filósofo e professor. “Conheço o ‘Cesco’ desde 1999, quando passei a ensaiar, com as bandas que integrava na época, no estúdio na casa dele, no bairro Santa Cruz. Ele era organizador do evento Santa Cruz Art e Rock Festival, que teve seis edições. Sempre estive presente com minhas bandas em todas. Eu e Francesco nos tornamos grandes amigos e chegamos a tocar juntos nesta banda que citei, A Casa, entre 2004 e 2006”.
Napoli se apresenta no filme no quadro “Agende-se”, onde fala, ao lado de sua companheira de vida, Camila Buzelin (Cenografia Sensível), sobre o evento Sessões Autenticas, organizado por ele na casa de shows Autêntica, em 2018. “Também me apresentei no Sessões Autenticas como músico”, ressalta Fred.
Casas de shows, selos, produtores e bandas
Casas icônicas da cena em que Fred circula também estão presentes no filme, como: A Obra, Autêntica, Mister Rock BH e Matriz Casa Cultural. “No caso da Matriz, conheço o Edmundo desde 1998, quando era responsável pela Calabouço, no bairro Primeiro de Maio. Organizei diversos eventos com minhas bandas por lá – no primeiro, tinha apenas 17 anos. Hoje, me apresento com minhas bandas no Matriz (referindo-se, claro, a antes da pandemia). O Edmundo e a Andrea continuam sendo grandes amigos. A Matriz é registrada no filme pela divulgação, feita no programa Drops Cultural, da TV Comunitária de Belo Horizonte; do evento Ex-Machina Festival 2018”.
O filme traz também a casa de show The Rock and Roll Bar, localizada no bairro Santa Inês. e tocada por Pedro Cataldo, guitarrista, produtor e agitador cultural. “O Cataldo é um grande personagem do underground de BH. O Ganmit, mentor da clássica banda punk Consciência Suburbana, apresenta o evento ‘Carna Underground – Punk-se BH 2020′ nesta casa”.
E já que o assunto resvalou para bandas, ele cita algumas que estão do doc. “A Dops Banda de Protesto, por exemplo, é uma instituição do underground de BH. Foi a primeira banda da cidade a se apresentar no maior festival punk do mundo, o Rebellion, na Inglaterra – no caso, em 2019. Silva Dops é a mente por trás do Dops, conheço ele desde 2001. Já dividi o palco diversas vezes com o Dops em eventos, mas também me apresentei em shows que o Silva organizou, como os ’40 anos de punk no Brasil’, realizado n’A Obra, em 2017. Dops divulga o evento Mister Bloco Festival 2020 no filme”, situa. Já a Sagrado Inferno, prossegue, é considerada a primeira banda de heavy metal de BH. “Isso dispensa qualquer outra apresentação. A banda aparece no filme lançando o CD ‘Bíblia do Diabo’, em uma matéria que produzi sobre a Feira do Vinil no Mix Shopping em 2020”.
No caso dos produtores, o filme inclui iniciativas como o Metalpunk Overkill, coletivo de produtores que tem Gabriel Herege como principal mentor. “Consiste na reunião de varias pessoas que se organizam para lançar discos, livros, feiras de material alternativo e, principalmente, trazerem bandas de diversas partes do Brasil e o do mundo para se apresentarem em BH. Conheço Gabriel desde 1999, da extinta Radio Santê FM. Ele era um dos apresentadores do programa punk ‘Minutos do Ódio’, e passei por lá para apresentar um trabalho da minha banda à época”, relembra.
De lá para cá, os dois dividiram palcos com suas respectivas bandas, mas Fred também se apresentei em eventos organizados pelo Metalpunk Overkill, como quando a banda finlandesa Força Macabra esteve em BH, em 2018. “Minha banda foi uma das que abriram o show”. Outros nomes importantes que o coletivo trouxe à cidade foram: Extreme Noise Terror (Inglaterra), Rattus (Finlândia), Rovsveet (Suécia), MOB 47 (Suécia) e Simbiose (Portugal) etc.
Por último, mas não menos importante, temos os selos e gravadoras, como a Cogumelo Records. “Mais representativo selo e gravadora da cena heavy metal do Brasil. Responsável por lançar nomes mundialmente reconhecidos, como Sepultura, Overdose, Holocausto, Sarcófago, Atack Epiléptico etc. Tive a honra de ter um disco lançado pela Cogumelo com a banda que faço parte, o StomachalCorrosion, em 2018. A gravadora aparece no doc através de uma matéria que produzi para o programa ‘Agenda’, sobre os 40 anos dela, em uma feira de vinis que era para ser um evento mensal, não fosse a pandemia”.
Confira, a seguir, três perguntas para Fred Catarino
Como está sendo esse período de pandemia para você? Sou funcionário público. Trabalho em uma biblioteca escolar do município de Belo Horizonte. As escolas estão fechadas, faço trabalhos internos presencialmente de forma pontual e home ofice. Estou sendo muito bem amparado pela PBH para realizar um bom isolamento social, mas fpi bem complicado no inicio. O que vem tornando essa nova realidade mais amena é justamente este meu envolvimento com projetos culturais e artísticos, como o filme. Realizo também transmissões ao vivo de discos de vinil de 7 polegadas da minha coleção, semanalmente. Discos de bandas independentes que estão na página “Vinyl 7 Live” no Facebook. Enfim, se não fosse a arte e a cultura, eu não sei como suportaria tudo isso.
Quais os seus planos para este ano? Espero que a vacina esteja disponível o mais rápido possível. Gostaria de voltar aos palcos como baterista da banda que faço parte, o StomachalCorrosion. Pretendo participar de festivais de cinema por todo o Brasil para difundir e divulgar meu curta da melhor maneira possível. Espero que os festivais de cinema possam retornar presencialmente.
Ao fim, gostaria que traçasse um perfil seu. Fred por Fred… Fred Catarino, 39 anos, nascido em Belo Horizonte, no bairro Cachoeirinha, região nordeste. Aos 6 anos de idade, chorou copiosamente ao ver Zé do Burro ser assassinado na minissérie “O Pagador de Promessas”, da Rede Globo. A sensibilidade pra arte e cultura já estava ali. Essa maneira de sentir o mundo, com o olhar artístico, cresceu muito. Tomou conta. E por isso sou contra qualquer tipo de preconceito, contra o abandono aos mais pobres e aos trabalhadores. E penso que a vida e a arte são, sobretudo, luta!